Vale tudo para produzir? 

A ética e a produtividade em xeque no Poder Judiciário

Nos últimos dias, dois casos chamaram a atenção no Judiciário brasileiro: um no Rio Grande do Sul e outro aqui no Pará. Em ambos, foram identificados casos em que juízes utilizavam sentenças padronizadas em processos distintos. A juíza gaúcha Angélica Layoun, ainda em estágio probatório, foi demitida. Já o juiz Roberto Andrés Itzcovich, do Tribunal de Justiça do Pará, segue sob investigação após a revelação de uma “linha de produção” de decisões judiciais.  

No caso do magistrado paraense, pelo menos 11 sentenças idênticas em processos de natureza distintas, todas com o mesmo relatório, fundamentação e dispositivo, foram proferidas nos dias 7 e 8 de julho. Mais três decisões idênticas foram publicadas em 10 de julho. Diante disso, conselheiros do CNJ encaminharam ofício ao Corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, solicitando a apuração de possível conduta irregular.

A prática coloca em xeque um dos princípios fundamentais da jurisdição: a individualização da justiça. Cada processo representa uma história – pessoa, empresa, família -, direitos em disputa e particularidades que exigem uma análise criteriosa e individual. Ao padronizar decisões, o magistrado não apenas descumpre seus deveres funcionais, mas também viola a confiança da sociedade no Poder Judiciário.  

Isso nos leva a outra reflexão: a pressão por produtividade no Poder Judiciário. Com milhões de processos em tramitação, servidores e juízes são permanentemente cobrados por metas de produtividade. Nesse cenário, existe um verdadeiro terror sobre servidores pela produtividade a qualquer custo, passando por cima de obstáculos como a insuficiência de pessoal para a demanda do serviço, a precarização da mão de obra – como a contratação de estagiários como força de trabalho em vez de aprendizado, e a utilização de outras formas de acesso ao serviço público diversas do concurso, como os cedidos -, um sistema de informação que apresenta instabilidades sistemáticas, e o principal: a derrocada da saúde física e mental dos servidores. Alie-se a isso, a chegada da sedutora e incerta Inteligência Artificial. 

Dessa forma, quando a quantidade se sobrepõe à qualidade, a Justiça deixa de ser justa. O caso do juiz Itzcovich exemplifica um fenômeno perigoso: a transformação da prestação jurisdicional em mera linha de montagem, em que decisões são replicadas como produtos em série. A questão que se coloca é: vale tudo para produzir? Se a resposta for “sim”, corremos o risco de legitimar um sistema em que a eficiência burocrática se sobrepõe ao direito de cada cidadão a uma análise justa e personalizada de seu caso. Se for “não”, é urgente repensar as métricas, equilibrando produtividade e qualidade. O CNJ, ao solicitar a apuração do caso, demonstra que práticas como essa não podem ser toleradas, mas precisa ele próprio rever as metas e metodologias aplicadas nos Tribunais. A magistratura exige independência, mas também responsabilidade. Decisões judiciais não podem ser tratadas como meras formalidades; são atos que impactam vidas.  

A sociedade espera que o Judiciário funcione com agilidade, mas não à custa da ética e da qualidade. Se juízes recorrem a expedientes como cópias idênticas de sentenças, a solução não é apenas punir os infratores, mas também revisar um sistema que, em alguns aspectos, incentiva a produção em massa em detrimento da justiça real. Enquanto o caso do juiz paraense segue em investigação, fica a reflexão: produzir muito não significa produzir bem. E quando se trata de justiça, o atalho nunca deve ser mais importante que o destino.

SINDJU Pará

Fontes: https://www.migalhas.com.br/quentes/434485/cnj-conselheiros-pedem-apuracao-de-juiz-do-tj-pa-por-decisoes-iguais 

https://www.instagram.com/p/DL6CqIlv3RW/?igsh=M3Z5MzhyaDI2aGk4
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/07/17/mesmo-afastada-juiza-demitida-por-copiar-decisoes-no-rs-recebeu-salario-ate-junho.ghtml

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